Democracia sanitária
do bem jurídico individual à dimensão sistémica e coletiva da saúde enquanto elemento essencial da cidadania e da paz
Resumo
A história da Humanidade é acompanhada, diacrónica e sincronicamente, pelo ensejo de preservar a saúde e lutar contra a doença, sendo consequência deste desiderato a própria medicina. A compreensão deste processo dinâmico não é operacional sem que se forneçam os contornos de uma noção de saúde que, numa perspetiva tradicional, se entendia como um estado de ausência de doença. Atualmente, é compreendida como um estado completo de bem-estar físico, mental e social que não se resume à ausência de uma enfermidade ou doença, conforme resulta do primeiro princípio enunciado no preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde. Relacionada a referida Constituição à Declaração Universal dos Direitos Humanos, a proteção da saúde (art.º 25), enquanto direito humano e em dimensão alargada a todos os povos, é essencial para conseguir a paz, dependendo da estreita cooperação dos indivíduos e dos Estados, por ser de valor para todos. Em sua dimensão fundamental, o direito à proteção da saúde (art.º 64.º CRP) e qualidade de vida (art.º 66.º CRP) possui caráter universal, prestacional e promocional na Constituição da República Portuguesa, integrando a dimensão cidadã pelos deveres correlatos a todos de as defenderem e promoverem. Com efeito, e não obstante a crítica relativa ao subjetivismo insondável em que se traduz “um estado completo de bem-estar” e a eventual retirada de operacionalidade jurídica ao conceito de saúde, bem como as dificuldades quanto ao sentido da sua delimitação, a introdução das três dimensões de bem-estar no conceito de saúde revelam a evolução da perceção da saúde como bem de natureza eminentemente individual, cuja promoção caberia a cada pessoa individualmente considerada, para uma dimensão sistémica e coletiva do bem saúde e da sua essencialidade para a preservação da vida em comunidade. A saúde é compreendida assim não como um bem jurídico estritamente individual, mas como um bem com relevância pública, cuja promoção e cuidado são integrados no domínio das responsabilidades dos Estados Democráticos, enquanto atuação orientada à manutenção da ordem pública sanitária, prestação de cuidados de saúde à população e promoção do bem-estar. Pautando-se hoje o Direito da Saúde pela promoção da participação ativa de todos nos sistemas de saúde, pela consciencialização e responsabilização cívica de todos os intervenientes no setor da saúde, inclusivamente dos doentes, pela configuração de direitos e consequente alargamento aos mais variados domínios da saúde, este fenómeno conduziu à conceptualização da Democracia Sanitária. A conceção polissémica de democracia sanitária conheceu especial projeção no contexto da reforma realizada em França, em 2002, liderada pela Ministro da Saúde Bernard Koucher, reforçando os poderes coletivos dos cidadãos em contexto de saúde. A democracia sanitária compreende, por conseguinte, uma dimensão individual e, simultaneamente, uma dimensão coletiva, no sentido da efetivação dos direitos humanos 1* L.L.M. Universidade Autónoma de Lisboa “Luís de Camões”; E-mail: padias@autonoma.pt eISSN 2595-1742 41 Diké (Uesc), v. 24, n 28, p. 40-54, jan./jun. 2025 e fundamentais, da promoção da sua autonomia, conduzindo consequentemente a uma necessidade de reforço da participação da sociedade civil no contexto público[1]democrático sanitário como um problema coletivo a que urge dar uma resposta humanista
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