O Ser subterrâneo em Nietzsche: da filosofia especulativa à experiência filológica
Resumo
A meta primordial deste trabalho consiste em investigar a partir do “prefácio tardio” da Aurora, escrito cinco anos depois da publicação da obra, de que modo Nietzsche compreendeu como poderia ser possível interpretar a existência para além da exclusividade tutelar da moral judaico-cristã ocidental. Esse entendimento diversificado da realidade existencial possibilitaria ao homem uma expedição às profundezas abissais do mundo, em uma espécie de aurora às avessas. E liberto das prévias compreensões morais, o homem poderia galgar um leque muito mais amplo de interpretações de sua vida, sendo tais possibilidades artisticamente criativas e vívidas. A vantagem de tal empreendimento soergue-se na probabilidade do homem contemplar a vida por meio de um prisma inédito e mais profundo. A fim de constituir sua inovadora proposta, Nietzsche sugere que o homem seja um “ser ‘subterrâneo’”, o qual – em suas escavações – percorra lentamente um caminho ímpar, a saber, o da destruição dos edifícios especulativos da filosofia que se encontram alicerçados na confiança da autoridade moral; bem como o anelar de uma profundidade que ultrapasse perigosamente a fé entusiasmada do credo quia absurdum est (em latim significa: creio porque é um absurdo), afinal a referida fé entusiasmada se destina à justificação moral de todas as coisas. Subsequentemente, Nietzsche postula que a partir de uma evidente contradição – que por moralidade, dever-se-á denunciar a confiança na moral – poderá ser oportunizado ao homem construir uma nova jornada existencial, na qual ele arrogará a si a qualidade de artífice criador, isto é, o ser humano tencionará edificar outras interpretações da existência, do mundo, da vida e de si mesmo. E finalmente, o autor da Aurora afirma no prefácio em destaque que esse posicionamento reflexivo, além de ser uma experiência de meditação filosófica, caracteriza-se, sobretudo, como sendo também uma vivência da arte da filologia, pois ele prescreve uma leitura hermenêutica lenta, profunda e delicada da existência, isso em oposição à vertiginosa velocidade da era moderna. Frente à reflexão nietzschiana presente no prefácio da obra Aurora, tornam-se factíveis algumas inquirições, dentre as quais se ressaltam as seguintes: Em que medida a moral determina a formação cultural do homem a partir de suas instituições formativas? Será verdadeiramente realizável uma experiência filosófica e filológica de leitura da vida sem uma intervenção autoritária da moralidade? E por fim, deverá emergir um novo modelo interpretativo do universo, o qual – por sua vez – extermine e substitua o paradigma vigente da moralidade ocidental?
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