Doenças, mortes, sepultamento ou insepultamento de escravos em Moçambique, entre o século XVIII e 1850
Resumo
Este artigo é sobre doenças, mortes, supultamento ou insepultamento de pessoas escravizadas em Moçambique. Pretendo falar sobre “essa porção mais infeliz da espécie humana”, “que podem ser considerados, indivíduos que perderam sua liberdade, tudo o que era bom e prazeroso para eles”, das doenças que muitas vezes os afligiam, de suas mortes infelizes, de seu enterro em covas rasas, nus, enrolados e amarrados em esteiras, sem qualquer ritual religioso, oração ou sacramento, ou da falta de enterro “como se fossem animais brutais”. O objetivo é contribuir para a compreensão da maneira como as pessoas escravizadas lidavam com a doença, a morte, o sepultamento e/ou o insepultamento no século XVIII e na primeira metade do século XIX. Considerando que, na maioria dos casos, os escravos estavam totalmente desamparados, sem um médico, cirurgião, sangrador ou curandeiro, quando sofriam de vários tipos de doenças a morte era quase certa, tanto que tinham de conviver com a morte e com um enterro indigno. Mesmo nos cenários em que alguns adotavam a prática de ser um cirurgião, uma espécie de sangrador, usando amuletos e talismãs e aplicando práticas de cura, sua condição de indigência e desamparo pouco fazia para aliviar as doenças que frequentemente os atacavam. Este estudo é eminentemente qualitativo e utiliza o método histórico comparativo.
Downloads
Referências
Abdallah, Yohanna Barnaba, Os Yao. Maputo: Arquivo Histórico de Moçambique, 1993.
Alpers, Edward Alter, “The French Slave Trade in East Africa (1721-1810), Cahiers d’Études Africaines, v. 10, n. 37, 1970, pp.80-124.
Alpers, Edward Alter, Ivory and Slaves in East Central Africa: Changing Patterns of International Trade in East Central Africa to the Later Nineteenth Century. Berkeley & Los Angeles, California, 1975.
Alpers, Edward Alter, “Becoming Mozambique: Diaspora and Identity in Mozambique”, TEELOCk, Vijayalakshmi & ALPERS, Edward (eds.) History, Memory and Identity. Port Louis: University of Mauritius & Nelson Mandela Centre for African Culture, 2001.
Alpers, Edward Alter, “Introducing Mozambique”, TEELOCk, Vijayalakshmi & ALPERS, Edward (eds.) History, Memory and Identity. Port Louis: University of Mauritius & Nelson Mandela Centre for African Culture, 2001.
Alpers, Edward Alter, The Role of the Yao in the Development of Trade in East-Central Africa, 1698-c.1850. Ph.D. The University of London, London, 1966.
Amaral, Manoel, O povo yao (Mtundu wayao): subsídios para o estudo de um povo do nordeste de Moçambique. Lisboa: IICT, 1963.
Arnold, David, “The Indian Ocean as a Disease Zone, 1500-1950”, South Asia: Journal of South Asia Studies, v. 14, n. 2, 1991.
Capela, José & Medeiros, Eduardo, “O tráfico de escravos de Moçambique para as ilhas do Índico, 1720-1902. Maputo: Núcleo Editorial da Universidade Eduardo Mondlane, 1987.
Capela, José, “Identity, Sex, Age and Profession of Slavery in Mozambique in the Nineteenth Century”, Zimba, Benigna; Alpers, Edward Alter. & Isaacman, Allen. (eds.), Slave routes and Oral Tradition in Southeastern Africa. Maputo: Filsom, 2005.
Capela, José, As burguesias portuguesas e a abolição do tráfico da escravatura, 1810-1842. Porto: Afrontamento, 1979.
Capela, José, O escravismo colonial em Moçambique. Porto: edições Afrontamento, disponível no Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane, 1993.
Capela, José, O tráfico de escravos nos portos de Moçambique, 1717-1904. Porto: Edições Afrontamento, 2002.
Curtin, Philip, “Epidemiology and Slave Trade”, Political Science Quarterly, v. 83, n. 2, Jun. 1968, pp.190-216.
Curtin, Philip, Disease end Empire: The Health of European Troops in the Conquest of Africa. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.
Debret, Jean Baptiste, Viagem pitoresca e história ao Brasil, Tomo I, Vol. I e II. São Paulo, Martins, 1975.
Dias, Jorge & Dias, Margot, Os macondes de Moçambique I: aspectos históricos e económicos. Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, 1998.
Echenberg, Myron, “Pestis Redux: The Initial Years of the Third Bubonic Plague Pandemic, 1894-1901”, Journal of World History, v. 13, n. 2, Fall 2002.
Ekpatt, AniediAbasi Okon, “Concepts of God, Divinities, Ancestors, and Spirits in African Traditional Religious Thought: Conceptual Analysis”, Essien D. Essien (ed.), Phenomenological Approaches to Religion and Spirituality (G Global, 2021), pp.18-43.
Elphick, Richard, Kraal and Castle”: Khoikhoi and the Founding of South Africa. London/New Haven: Yale University Press, 1977.
FLORENTINO, Manolo, Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). São Paulo: Companhia de Letras, 1997.
Hudson, E. H. “Treponematosis and African Slavery”, British Journal of Venereal Diseases, v. 40, n. 43, 1964.
Isaacman, Allen & Isaacman, Barbara, “Slavery and Social Stratification among the Sena of Mozambique: A Study of the Kaporo System”, Miers, Suzanne & Kopytoff, Igor (eds.) Slavery in Africa: Historical and Anthropological Perspectives. Madison: The University of Wisconsin Press, Madison, 1977, pp.105-120.
Isaacman, Allen & Isaacman, Barbara, Escravos, esclavagistas, guerreiros e caçadores: a saga dos chicundas do vale do Zambeze. Maputo: CIEDIMA, 2006.
Issa, Amina, “Dhows and Indian Ocean Ports”, Ziff Journal, v. 4, 2006, p.63.
Junod, Henri, Usos e costumes dos Bantu. Vol. 2. Maputo: AHM, 1996.
Kamtedza, João de Deus G. “O significado filosófico dos costumes Bantus”, Revista Portuguesa de Filosofia, v. 18, n. 1, 1962, pp.39-97.
Kiple, Kennet F. & Higgins, Brian T. “Mortality Caused by Dehydration during the Middle Passage”, Soccial Science History, v. 13, n. 14, winter 1989.
Liesegang, Gerhard, “Nguni migrations between Delagoa Bay and the Zambezi 1821-1839”, African Historical Studies, v. 3, n. 2, 1970, pp.317-337.
Liesegang, Gerhard, Technology, Space Climate, and Biology: The Incidence and the Impact of Drought, Famines, Pests, epidemics, and Wars in the History of Mozambique, c.1515-1990 (Maputo, 1994) (não publicado).
Lobato, Alexandre, Quatro estudos e uma evocação para a história de Lourenço Marques. Lisboa: Junta de Investigação do Ultramar, 1961.
Machado, Pedro, “A Forgotten Corner of the Indian Ocean: Gujarati Merchants, Portuguese India and the Mozambique Slave Trade, c.1730–1830”, Slavery & Abolition: A Journal of Slave and Post-Slave Studies, v. 24, n. 2, 2003, pp.17-32.
Matine, Manuel Henriques, A integração de famílias autóctones no colonato de Limpopo em Moçambique, 1959-1977. MA, Universidade Federal Fluminense, Niterói-RJ, 2015.
Mendes, Luís Antônio de Oliveira, “Memória a respeito dos escravos e tráfico da escravatura entre a costa d´África e o Brasil (1812)”, História da Psiquiatria, v. 10, n. 2, Jun 2007.
Miller, Joseph, “Mortality in the Atlantic Slave Trade: Statistical Evidence on Causality”, The Journal of Interdisciplinary History, v. 11, n. 3, winter,
, pp. 385-423.
Monteiro, Rose, Delagoa Bay: Its Natives and Natural History. London: G Phillip and Son, 1891.
Newitt, Malyn, “Drought in Mozambique, 1823-1831”, Journal of Southern African History, v. 15, n. 1, Oct. 1988.
Newitt, Malyn, História de Moçambique. Lisboa: Europa-América, 2012.
Nkwocha, Allison Ijeoma, Igbo Landing & Flying Africans: Landscape, Folklore, and the Future. MA, University of Pennsylvania, Pensylvania, 2023.
Oliveira, Izabella Soares de; Moreira, Brenda Silveira Valles; Pereira, Sandra de Oliveira; Castro, Adriano Simões Barbosa; Moreira, Tiago Ricardo; Alberto, Santana Luiz. “Tungíasis: atualidades clínicas”, J. Bras. Med., v. 102, n. 6, 2014.
Pereira, Júlio César Medeiros, “Uma reprodução simbólica do universo social: o sepultamento de escravos no cemitério dos Pretos Novos, no Rio de Janeiro dos séculos XVII a XIX”, Sankofa – Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana, 1, 2008;
Pereira, Júlio César Medeiros, À flor da terra: o cemitério dos Pretos Novos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.
Priberam Dicionário, Matequenha (disponível em: https://dicionario.priberam.org/matequenha, acesso: 08/03/2025).
Rodrigues, Eugénia, “A ciência europeia e a medicina africana de Moçambique: explorações, apropriações e exclusões, entre finais do século XVIII e meados do século XX”, CIEA8, UAM, Madrid, 14-16 de junho, 2012.
Rodrigues, Eugénia, Os prazos da coroa e africanos nos rios de Sena: os prazos da coroa em Moçambique nos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2013.
ROQUE, Ana Cristina, “Tracing the Imperial Roots of Cassava in Mozambique: Production, Trade and Consumption of a food commodity”, Historia Agraria, v. 94 · Diciembre 2024 · pp. 69-99.
Santos, João dos, “Ethiopia Oriental”, George McCall Theal, Records of South-Eastern Africa – Collected in Various Libraries and Archive Departments in Europe, Vol. VII. Cape Colony: The Government of the Cape Colony, 1901.
Shapiro, Martin, Medicine in the Service of Colonialism: Medical Care in the Portuguese Africa, 1885-1974. Ph.D., Los Angeles: University of California, 1983.
Sharpe, Alfred, “A Journey from Lake Nyasa to the Great Luangwa and Upper Zambezi River”, Proceedings of the Royal Geographical Society, v. 12, 1890.
Snyder, Terri L. “Suicide, Slavery and Memory in North America”, Journal of American History, v. 97, n. 1, 2010, pp.39-62.
Sussman, George D. “Scientists Doing History: Central Africa and the Origins of the First Black Pandemic”, Journal of World History, v. 26, n. 2, jan 2015.
Thomaz, Fernando do Nascimento, “Alguns apontamentos sobre penhor humano, rapto e escravização no norte de Moçambique entre o final do século xix e início do século xx”, [SYN]THESIS, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, 2012, pp. 183-195 (disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/article/viewFile/7375/5360).
Ushe, Mike, “God, Divinities and Ancestors in African Traditional Religious Thought”, IGWEBUIKE – An African Journal of Arts and Humanities, v. 3, n. 4, 2017.
Vaughan, Megan, Curing their Ills: Colonial Power and African Illness. Stanford: Stanford University Press, 1991.
VOA Português, “Matequenha causa nova crise sanitária em Nampula”, 1 julho 2015 (disponívem em: https://www.voaportugues.com/a/matequenha-causa-nova-crise/2845139.html, acesso: 08/03/2025)
Weule, Karl, Resultados científicos da minha viagem de pesquisas etnográficas no. Sudoeste da África Oriental. Maputo: Imprensa Universitária, 2000.
Zimba, Benigna, “Achivanjila I and the Making of the Niassa Slave Routes”, Zimba, Benigna; Alpers, Edward. & Isaacman, Allen. (eds.), Slave routes and Oral Tradition in South-eastern Africa. Maputo: Filsom, 2005.
Zimba, Benigna, “As rotas da Rainha Achivanjila: género e resistência à escravatura no norte de Moçambique, finais do século XIX e princípios do século XX”, Revista Internacional e Língua Portuguesa – Rotas e Mercadores, III Série Nº 28/29, 2015.
Zimba, Benigna, “Slave Trade and Slavery in South-eastern Africa: Interviews and
Images”, Zimba, Benigna; Alpers, Edward Alter & Isaacman, Allen (eds.), Slave Routes and Oral Tradition in South-eastern Africa. Maputo: Filsom Entertainment Lda, 2005.
Copyright (c) 2025 Júlio Raimundo Machele

This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Este artigo está licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution 4.0 International (CC BY 4.0). Os autores retêm os direitos autorais e concedem à revista o direito exclusivo de primeira publicação. Esta licença permite o uso, compartilhamento, adaptação e reprodução do conteúdo, desde que seja atribuída a autoria original e a fonte.